Conheces o Bairro das Interjeições?

Irra e Arre

O Irra e o Arre viviam de costas voltadas para a vida, sempre maldispostos e a resmungar por tudo e por nada, com todos e com ninguém. Não eram gémeos mas pareciam, pois quando um dizia Irra! logo o outro contrapunha Arre!

Eram as interjeições que, vivendo num mundo à parte, eram tão usadas por todos quantos se deleitavam ou sofriam com os acasos, os acontecimentos e as partidas da vida, como era o meu caso, diga-se de passagem.

Estes irritadinhos eram bem mais usados que os seus irmãos alegres, surpresos ou desgostosos.

Surge um novo habitante

Ao serviço dos Portugueses há tanto tempo, num dia aziago, de tempestade e má disposição geral, eu cheguei à sua aldeia. Encarado como um novo habitante, vestia de um modo pouco habitual e com grande à-vontade, pelo que não fui lá muito bem acolhido.

Contudo, apesar de não ser bem aceite, todos me utilizavam a torto e a direito. Diziam que eu era calão e que a evolução da língua, os novos usos e costumes autorizavam uma certa permissividade do discurso.

Os nossos amigos não concordavam, discordavam acidamente da questão, mas foram obrigados a ceder o lugar a esse PORRA que os viera substituir.

Porra

Mais dois se apresentam…nem os nomeio

Também não durou muito o meu reinado, porque logo a seguir surgiram dois, aliás mais locuções interjetivas, essas sim, habilitadas para um longo reinado, porque eram expressões conectadas com má-educação, com linguagem do mais baixo estatuto social.

Fo... Fi.. Pu... Pa...

E assim, o Fo… e o Fi… da Pu… e o Pu… que te Pa… instalaram-se com armas e bagagens no Bairro das Interjeições e, com o passar do tempo, de uma casinha térrea com um pequeno quarto, uma assoalhada, sem água canalizada nem saneamento, passaram-se para o mais belo dos arranha-céus do bairro, situado num condomínio fechado, todo espelhado e em estrutura metálica e com direito a todas as comodidades: jacuzzi, sauna, massagista, ginásio, piscina aquecida, piscina exterior, cabeleireiro e mais umas coisitas de que não me lembro agora. Todos os olhavam com inveja e ansiavam mudar para o Bairro dos Fs e Ps como lhe chamavam.

Quem ao mais alto sobe ao mais baixo vem cair

Pum

Mas sabem o que acontece a quem sobe muito depressa, a quem não tem preparação? Pois é, cumpre-se o ditado “Quem ao mais alto sobe ao mais baixo vem cair” enquanto o diabo esfrega um olho.

Também o que é que os nossos amigos podiam esperar?

Declaração de guerra: Educação e língua portuguesa

Foi tal a guerra que a Educação e a Língua Portuguesa lhes fizeram que as ditas locuções interjetivas deixaram de ser utilizadas. Não julguem que foi fácil, porque se tinha caído num facilitismo que tudo permitia. Foi uma luta difícil. Só que todos juntos, todos unidos, deram-lhes guerra sem quartel e as tais locuções ou palavrões, como se lhes deve chamar, regressaram aos guetos de onde nunca deviam ter saído. Apenas ocasionalmente um catraio as utilizava, mas ouvia logo uma reprimenda: “Isso são modos de se falar?” ou “Fala-me em Português. Andas na escola para quê?”

O papel da Escola

É verdade. A escola teve um papel importantíssimo na batalha, porque desde o pré-escolar que as crianças começaram a aprender a forma correta de falar um bom Português e quando saíam, após a escolarização obrigatória, apenas utilizavam as formas corretas das palavras, fazendo a concordância do género, do número, utilizando os tempos e modos certos das formas verbais.

Literacia e alfabetização

Todos beneficiaram, principalmente o povo que recomeçou a sentir orgulho em ser Português, pois passaram a ocupar um dos lugares cimeiros no que à literaciadizia respeito, ou seja, tornaram-se um dos povos mais cultos do mundo.

O povo era alfabetizado, por isso, a competência e as capacidades para o trabalho qualificado aumentaram substancialmente. Também acabou o absentismo e a pontualidade tornou-se norma. A escolarização tinha acabado com as mazelas de toda uma sociedade.

Utopia? Estarei a sonhar?

Arre! Vocês não podem ser otimistas e olhar para as pessoas com as cores do sonho?

Azul ou rosa-bebé? Irra!


Maria Teresa Portal Oliveira

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