Com uma linguagem coloquial e um pulsar crítico e humorístico surge a crónica, a quem alguns dão o estatuto de texto paraliterário, situado algures num universo entre o literário e o não literário.
Sem as regras que a obriguem a espartilhar-se aos contornos do que é noticioso, qualquer tema serve desde que leve o pensamento a fluir e a circular sobre pormenores do quotidiano, coisas sem importância que, de repente, ganham o seu direito ao minuto de fama.
Falar sobre tudo e sobre nada, eis um assunto muito simpático para quem gosta de viajar com as palavras de a a z sem se deter em lado nenhum especificamente e parando em tudo quanto é apeadeiro.
«He’s got the world in his hand» diz a canção. É verdade! O mundo, o meu mundo está na minha mão, principalmente aquele que eu recrio, imagino, moldo nos meus textos e nas minhas crónicas, fruto das vivências e experiências, enriquecedoras ou empobrecedoras, positivas ou negativas, agradáveis ou desagradáveis, tristes ou alegres, enfadonhas ou divertidas ou das pessoas boas ou más, ou nem por isso, com quem me cruzei.
Gosto muito de escrever histórias para crianças e jovens, mas é a crónica que me realiza mais presentemente, porque publicada e encontrando eco em quem me lê, público anónimo, desconhecido que, de vez em quando, se dá a conhecer. «Gostei muito do seu artigo» ou «concordo com a sua posição». Muitos haverá que não concordarão, que serão do contra, mas, sorte a minha, nunca se deram a conhecer, ou então, ignoram-me e eu, felizmente, não os conheço.
Gosto particularmente de pegar na esferográfica e, a propósito de tudo e de nada, começar a deixar fluir o pensamento, que escorre pelo braço, chega à mão e a leva a comandar o marcador que escreve, preferencialmente a negro. Prefiro escrever com tinta preta - é mais visível, mais marcante, mais séria. O preto não finge, não se esconde no cinzento do lápis que facilmente desaparece, nem no azulado desmaiado que mal se vê de muitas esferográficas. É uma escrita definitiva, corajosa, que não se nega, que enfrenta o tablóide e nele ganha vida.
Através da crónica, crio um outro eu, observador das pequenas coisas do dia a dia e seu utilizador para alertar, distrair e, como qualquer outro repórter ou redator jornalístico, informar e formar.
Este e outros retalhos da vida de uma cronista vão sendo lidos, vão desempenhando a sua função eminentemente social e ficam para a posteridade nos arquivos «empoeirados» do jornal, não no sentido literal, pois hoje as novas tecnologias exigem novas condições de armazenamento, mas no que se refere à memória de um povo, ao passado.
A crónica não perde atualidade; pelo contrário, muitos textos mantêm a frescura e mordacidade dos seus temas ao longo dos anos e sempre se sente um enorme prazer ao relê-los.
Afinal, o que é uma crónica?
Um texto curto, de autor, onde aparentemente não se diz nada, se brinca com as palavras e os seus sentidos, se joga com as ideias e, afinal, feita uma análise mais aprofundada, se diz muito obrigando o outro, o leitor, a refletir, a pensar, a debruçar-se sobre matérias e assuntos de que fugiria. Cúmplice do cronista, o leitor dá vida ao texto, explica a razão da sua existência, porque o lê.
E a cumplicidade torna-se a razão de ser do cronista para com o leitor que, quando toma consciência, já foi apanhado na armadilha e se transformou nisso mesmo - um leitor fiel. A fidelidade ao autor parece ser uma realidade.
Há quem compre determinado periódico ou revista a certos dias da semana, quando aí se editam os textos dos seus cronistas preferidos. Por outro lado, muitos autores sérios, e com isto não quero dizer que um cronista não é sério, … repito, muitos autores de nomeada da nossa literatura - António Lobo Antunes, Alice Vieira, Miguel Sousa Tavares, Manuel António Pina, João Aguiar, para só citar alguns, fazem da crónica uma válvula de escape para poderem chegar ao alcance de todos os públicos o que nem sempre acontece com os seus romances, onde um estilo hermético, fechado ou demasiado erudito faz fugir o público comum.
E, nos 30 anos do Reflexo, para o qual escrevo desde o início, é com enorme prazer que continuo a enviar os meus textos para o Reflexo Digital e recebo algum feedback dos que me leem, porque divulgo nas redes sociais.
Parabéns pelo 30º aniversário e, agora sim, pode dizer-se que é o mais antigo jornal da vila, porque o Pequeno Jornalista ficou lá atrás em 16-17, precisamente no seu 30º aniversário.
Longa vida ao órgão de comunicação social e mais 30 venham por aí. Felicidades!
Maria Teresa Portal Oliveira
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