QUE QUERO SER QUANDO FOR GRANDE?

(Abre o pano e aparece um jardim. Ouve-se o canto dos pássaros. O Zézé, muito pensativo, aparece no jardim. Numa mão traz uma maleta de pintura, uma tela e um lápis; na outra, um grande chupa-chupa, que, de vez em quando, lambe.)


Zézé: Olá! Chamo-me Zézé e ando no Jardim de Infância da Estrela. A minha vida está uma grande confusão. Ultimamente, só penso no que quero ser quando for grande. Todos os meninos da minha classe sabem, só eu é que não!

(E o Zézé, suspirando, dá umas lambidelas no chupa-chupa. Olha para a tela e continua o seu discurso).

Gosto muito de desenhar e desenho muitas flores e desenho muitas árvores e muitos jardins. Gosto muito da Natureza. Nós devemos proteger a Natureza, não é?


(O Zézé senta-se no chão e começa a desenhar.

Ouve-se então o texto poético «A Flor» de Almada Negreiros, in Antologia da Poesia Portuguesa, dito pelo ator Vítor de Sousa.


“Pede-se a uma criança. Desenhe uma flor! Dá-se-lhe papel e lápis. A criança vai sentar-se no outro canto da sala onde não há mais ninguém.

Passado algum tempo o papel está cheio de linhas. Umas numa direcção, outras noutras; umas mais carregadas, outras mais leves; umas mais fáceis, outras mais custosas. A criança quis tanta força em certas linhas que o papel quase que não resistiu.

Outras eram tão delicadas que apenas o peso do lápis já era demais.

Depois a criança vem mostrar essas linhas às pessoas: Uma Flor!

Contudo, a palavra flor andou por dentro da criança, da cabeça para o coração e do coração para a cabeça, à procura das linhas com que se faz uma flor, e a criança pôs no papel algumas dessas linhas, ou todas. Talvez as tivesse posto fora dos seus lugares, mas são aquelas as linhas com que Deus faz uma flor!”


O Zézé pára de desenhar no papel a flor, levanta-se e, quando o texto está a acabar, vai ao cenário e vira a flor, uma personagem vestida de branco e com flores nas mãos e uma grinalda na cabeça, a que o Zézé dá uns últimos retoques. O texto acaba e o Zézé senta-se num canto do palco observar a sua obra.

Zézé: Como és bela, florzinha!


(Pouco a pouco, embalado pelo canto dos pássaros, o sono aparece e o Zézé adormece. Ouve-se uma música muito suave e, por magia, as coisas vão ganhando vida e aparecem três novos elementos: o AR PURO, que sopra e abana uns balõezinhos na mão direita, enquanto na mão esquerda traz um espelho de cabo; a ÁGUA LÍMPIDA lança os seus jatos de água, a TERRA MÃE (vestida de castanho, aparece enfeitada com elementos da terra: folhas, caruma, espigas,…). Os três mais a FLOR começam a dançar e, junta-se-lhes o GÉNIO DA FLORESTA (o Zézé que, entretanto, tirou a bata e colocou um chapéu todo de folhas e uma máscara e tem na mão um tronquinho coberto de folhas). Quando a música acaba, o Génio fala para os outros).


Génio: Aqui vos deixo a varinha mágica. Usem-na com peso e medida e com muito cuidado. E agora vou à minha vida. Tenho um encontro com o Rei da Floresta.


(O Génio sai e regressa à sua posição de Zézé. Entretanto, os outros observam com muita atenção a varinha mágica. Bem, o AR PURO parece mais interessado em olhar-se no espelho, para o qual vai fazendo caretas e perguntando:)


Ar Puro: Espelho meu, espelho meu, haverá no mundo Ar mais Puro do que eu?


(Os outros três apercebem-se da presença do Zézé adormecido e dialogam).


Terra: Ai, Flor, já viu o pequerrucho? Que coisinha mais fofa!

Flor: Claro que vi, Mãe Terra. Então não foi ele que me pintou?

Água: E tem jeito o catraio. Ontem, pintou-me num lago com uns patinhos a nadar e um belo repuxo de onde eu saía límpida a cantar. Ai, ai!

Terra: Ai, Água, sempre és uma exagerada! O Zézé tem muito jeito, mas só tem cinco anos!

Flor: Não se peguem! Vocês ouviram o que o Zézé dizia? Não sabe o que quer ser quando for grande. E se nós o ajudássemos?

Água: O Génio da Floresta disse que, quando os homens dormem, a Natureza está enfeitiçada. E deixou-nos a varinha dos poderes. Se a usássemos?


(Entretanto, todos olham para o AR PURO que saltita por aqui e ali, sempre a olhar-se ao espelho e a fazer momices e a repetir a mesma pergunta:)


Ar Puro: Espelho meu, espelho meu, haverá no mundo Ar mais Puro do que eu? Que estranho! Acho que as palavras não são bem estas, mas que interessa? Só é pena o espelho não ser mágico e não me responder. Tenho a certeza de que…

Água: Ó Mano Ar, que está a fazer? E deixe esse ridículo espelho. Para Bruxa Má, já nos basta a da Branca de Neve.

Ar: (pensativo)Bruxa Má? É isso! A Rainha Má é que dizia estas palavras! E era uma beleza a Rainha! Só a Branca de Neve era mais bela!

Flor: (irritada) Tá, tá! Com esse aí, é melhor nem contar! Tudo se esfuma no ar! Está sempre a pensar na morte da bezerra! E é tão vaidoso!

Terra: Pois é, minha filha, tudo isso está muito bem. Não nos podemos esquecer de que o Ar Puro é o mais poderoso de nós todos e o nosso feitiço só terá efeito, se for feito coletivamente, pelos elementos da Natureza.

Água: Ó Mãe Terra, tem toda a razão. Vocês querem arriscar? Não viram o que aconteceu ao pequeno texugo e à abelha Zulmira? Levaram sumiço do Vale Encantado e nunca mais foram vistos!


(O AR PURO, soprando e abanando o pano branco, continua a observar-se ao espelho e a repetir a mesma cantilena:)


Ar Puro: Espelho meu, espelho meu, haverá no mundo Ar mais Puro do que eu?

Flor: Olhem! Olhem! Que poço de vaidade! Ó Ar Puro, que fazes?

Ar Puro: Lanço a brisa fresca da tarde, enquanto espero que o orvalho, durante a noite, deponha as suas lágrimas nas folhas e na pele aveludada das flores do meu jardim. Que chatos! Que me querem? Não têm mais que fazer?

Água: E se nós ajudássemos o Zézé?

Flor: Vamos ajudá-lo a decidir-se sobre o que quer ser quando for grande. Hoje ficou tão triste na escola! É que todos os meninos sabem o que querem, só ele não!

Mãe Terra: Todos juntos podemos abrir-lhe os olhos e mostrar-lhe como adora a Natureza!

Ar Puro: Também eu adoro a Natureza, principalmente o Ar que sopra Puro e…

Flor: Irra! Para de falar de ti. Vamos é tratar do caso. Quem começa? Onde está a varinha?


(De novo distraído, o AR PURO afasta-se com o espelho, não ouvindo o que os outros três dizem ao menino).


Água: Está aqui! Começo eu. Eu te fado para que defendas sempre os animais e o ambiente e nunca poluas a água.

Flor: Eu te fado para que venhas a ser uma pessoa muito importante e ajudes a salvar o Planeta.

Terra: Eu te fado para que venhas a ser um engenheiro ambientalista.

Água: Ótimo! Agora só falta o toque final. Ó Ar Puro!

(Estendendo-lhe a varinha).

Ar Puro: O quê? Para que quero isso?

Flor (em tom de comando):Chut! Anda! Confirma o que nós dissemos.

Ar Puro: (debruçando-se sobre o Zézé): Tem cara de malandro! Eu te fado… para quê? Para que te cresça um calo.

Terra (muito zangada): Ar Puro! Que fizeste? Desfaz já isso ou eu não respondo por mim.

Ar Puro: Está bem. Eu te fado para que gostes de deambular pela floresta e sejas seu amigo e seu defensor.

Flor: Confirma, confirma o que dissemos.

Ar Puro: Confirmo o quê? Eu não ouvi nada!


(Com a discussão, o Zézé começa a mexer-se e a espreguiçar-se e os elementos escondem-se por trás do Zézé, à exceção da Flor, que fica onde o Zézé a tinha).


Zézé: (com ar pensativo) Que estranho sonho tive! Mas já sei o que vou ser quando for grande.

(Mexe lentamente na mão e olha para ela muito admirado!)

Um calo! Como é que me foi aparecer um calo?


(Por trás do pano, os outros elementos espreitam e fazem gestos ameaçadores na direção do Ar Puro).


Já sei! Vou ser guarda- florestal e defender a floresta e os seus habitantes.


(O Zézé sai do palco e os outros elementos saem em perseguição do Ar Puro que, fugindo do palco, berra:)


Ar Puro: Socorro! Socorro! Génio da Floresta… Que foi que eu fiz de mal?

CAI O PANO


Maria Teresa Portal Oliveira

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