Por acaso calculam o trabalho que dá criar uma história? E esta então…
Começou com um primeiro parágrafo azarado; escrito inúmeras vezes e outras tantas apagado ou riscado.
-Que chatice! – pensava a história, - Será que nunca mais vai ficar satisfeita com o início?
À conta do parágrafo estavam todos num impasse e, à noite, resmungaram:
- Nunca mais vemos a luz do dia. Se optasse pelo Era Uma Vez, pronto. Era tão fácil!
-Ó Princesa, as histórias não podem nem devem começar todas da mesma maneira. Já viste a monotonia que seria? As crianças ficavam logo saturadas.
-Vê-se que não passas de um sapo hediondo. Ainda bem que não sou eu que tenho de te beijar. Nhac!
- Ora, minha linda princesa, não conheces as histórias? É sempre a princesa que acaba com o feitiço do sapo dando-lhe um beijo que o transforma num belo príncipe.
A princesa amuou, enjoada, e o sapo calou-se.
Realmente, o narrador também andava aflito, porque a autora passava a vida a mudar o primeiro parágrafo. Perfecionista queria que a história fosse um sucesso e agarrasse o leitor desde o início. Mas há cinco dias que andava às voltas com o primeiro parágrafo. Nada lhe agradava. Depois de tanta canseira, optou por começar com uma pergunta.
Quando a história pensava que estava finalmente concluída, ei-la às voltas com o parágrafo final.
-Bolas! Agora é o final? Irra! Nunca mais vemos a obra editada e as mãozinhas ávidas de uma criança, Princesa!
- Tens razão, sapo. Quando vão acabar as hesitações? Já fez pelo menos três finais diferentes. E nenhum lhe agrada.
O pobre do sapo queria era sair da história. E a mania que ela tinha de escrever nos sítios mais esquisitos. Naquele dia, era à mesa de um café. Qualquer dia perdia o caderno e então não viam mesmo a luz do dia.
Acabou por se enfiar no lago onde vivia até se transformar em príncipe de novo e deixou a autora às voltas com o parágrafo final. Estava farto. E o narrador não dizia nada! Ou ainda não havia ou só seria identificado depois. Como lhe dera para “embirrar” com o 1º e o último parágrafo esquecera a história propriamente dita.
Isso pensava o sapo!
Ainda bem que se meteu nas águas límpidas do lago, porque a dor de cabeça seguinte foi o título. Andou e voltou a andar, escreveu vários e acabou por escolher o primeiro. Tempo perdido!
Nunca uma história lhe tinha dado tanto trabalho! O arco narrativo da história era mais ou menos como o de todos os contos maravilhosos. E até o beijo ao sapo que revertia o feitiço já era conhecido. A novidade eram as ações surpreendentes e inesperadas.
Tanta trabalheira para fazer um conto!
Só mesmo uma escritora para aquilatar todas as dificuldades. Não bastava escrever bem. E depois a edição e a venda dos livros, o marketing à volta, as redes sociais, toda uma panóplia de pormenores que nunca mais acabavam.
E ainda faltava o ilustrador.
-O ilustrador tem de me fazer bela como a Gata Borralheira ou como a Branca de Neve.
Que enganada estava esta princesa vaidosa. Quase não tinha traços físicos nem psicológicos, pelo que seria um vulto visto ao longe ou então com toucados e roupagens até aos pés, sem características definidas.
Mas isso já estava decidido.
Foi com um suspiro de alívio que a história viu a autora a colocá-la num separador onde já estavam outras. Dizia : REVISÃO.
Ficaria lá muito tempo? Oxalá não.
Maria Teresa Portal Oliveira
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