A História e o Ato Criativo

A História e o Ato Criativo

Blogue > Artigos > A História e o Ato Criativo

domingo, 30 de outubro de 2022

domingo, 30 de outubro de 2022


Por acaso calculam o trabalho que dá criar uma história? E esta então…

Começou com um primeiro parágrafo azarado; escrito inúmeras vezes e outras tantas apagado ou riscado.

-Que chatice! – pensava a história, - Será que nunca mais vai ficar satisfeita com o início?

À conta do parágrafo estavam todos num impasse e, à noite, resmungaram:

- Nunca mais vemos a luz do dia. Se optasse pelo Era Uma Vez, pronto. Era tão fácil!

-Ó Princesa, as histórias não podem nem devem começar todas da mesma maneira. Já viste a monotonia que seria? As crianças ficavam logo saturadas.

-Vê-se que não passas de um sapo hediondo. Ainda bem que não sou eu que tenho de te beijar. Nhac!

- Ora, minha linda princesa, não conheces as histórias? É sempre a princesa que acaba com o feitiço do sapo dando-lhe um beijo que o transforma num belo príncipe.

A princesa amuou, enjoada, e o sapo calou-se.

Realmente, o narrador também andava aflito, porque a autora passava a vida a mudar o primeiro parágrafo. Perfecionista queria que a história fosse um sucesso e agarrasse o leitor desde o início. Mas há cinco dias que andava às voltas com o primeiro parágrafo. Nada lhe agradava. Depois de tanta canseira, optou por começar com uma pergunta.

Quando a história pensava que estava finalmente concluída, ei-la às voltas com o parágrafo final.

-Bolas! Agora é o final? Irra! Nunca mais vemos a obra editada e as mãozinhas ávidas de uma criança, Princesa!

- Tens razão, sapo. Quando vão acabar as hesitações? Já fez pelo menos três finais diferentes. E nenhum lhe agrada.

O pobre do sapo queria era sair da história. E a mania que ela tinha de escrever nos sítios mais esquisitos. Naquele dia, era à mesa de um café. Qualquer dia perdia o caderno e então não viam mesmo a luz do dia.

Acabou por se enfiar no lago onde vivia até se transformar em príncipe de novo e deixou a autora às voltas com o parágrafo final. Estava farto. E o narrador não dizia nada! Ou ainda não havia ou só seria identificado depois. Como lhe dera para “embirrar” com o 1º e o último parágrafo esquecera a história propriamente dita.

Isso pensava o sapo!

Ainda bem que se meteu nas águas límpidas do lago, porque a dor de cabeça seguinte foi o título. Andou e voltou a andar, escreveu vários e acabou por escolher o primeiro. Tempo perdido!

Nunca uma história lhe tinha dado tanto trabalho! O arco narrativo da história era mais ou menos como o de todos os contos maravilhosos. E até o beijo ao sapo que revertia o feitiço já era conhecido. A novidade eram as ações surpreendentes e inesperadas.

Tanta trabalheira para fazer um conto!

Só mesmo uma escritora para aquilatar todas as dificuldades. Não bastava escrever bem. E depois a edição e a venda dos livros, o marketing à volta, as redes sociais, toda uma panóplia de pormenores que nunca mais acabavam.

E ainda faltava o ilustrador.

-O ilustrador tem de me fazer bela como a Gata Borralheira ou como a Branca de Neve.

Que enganada estava esta princesa vaidosa. Quase não tinha traços físicos nem psicológicos, pelo que seria um vulto visto ao longe ou então com toucados e roupagens até aos pés, sem características definidas.

Mas isso já estava decidido.

Foi com um suspiro de alívio que a história viu a autora a colocá-la num separador onde já estavam outras. Dizia : REVISÃO.

Ficaria lá muito tempo? Oxalá não.

< ANTERIOR

Memórias da Infância

PRÓXIMO >

Direitos inalienáveis do leitor

Maria Teresa Portal Oliveira

A ALQUIMIA DAS PALAVRAS

Maria Teresa Portal Oliveira

A ALQUIMIA DAS PALAVRAS

A Alquimia das Palavras

Maria Teresa Portal Oliveira

Links Rápidos

Siga-me

Newsletter

Receberás notícias minhas regularmente!

A Alquimia das Palavras

Maria Teresa Portal Oliveira

Newsletter

Receberás notícias minhas regularmente!

© 2021 | Maria Teresa Portal Oliveira

© 2021 | Maria Teresa Portal Oliveira I Política de Privacidade | Termos & Condições