A 24 e 26 de julho, escolham o dia para ser o DIA MUNDIAL DOS AVÓS, pensei muito nos meus quatro avós.
De zonas diferentes do país, com ideias e educações também diferentes, as minhas raízes são uma miscelânea onde o trabalho assentou arraiais.
Avós paternos pesqueirotos (São João da Pesqueira), avós maternos com raízes em Felgueiras/Porto e Cesar/Oliveira de Azeméis.
Dois rios que se entrecruzam: o Douro de águas revoltas e internacional, numa beleza sem igual, e o Vouga, por entre meandros florestais envolto no canto dos pássaros e das quedas de água.
Entre um e outro, prefiro o Douro Vinhateiro, património mundial da humanidade, que me deu uma das memórias principais da minha infância- o vinho fino produzido nas quintas da família, entregue na cooperativa e que nos dava direito a x garrafões por ano. Na minha casa, festejava-se os anos não com champanhe mas com vinho fino.
Olhando para mim, creio que herdei a “dureza externa” da minha avó paterna, feita nas duras penedias e paisagens maravilhosas da Pesqueira, entre elas o S. Salvador do Mundo e a “doçura intrínseca” da avó materna com uma vida muito sofrida. Talvez por isso “ladro muito e mordo muito pouco”.
Sim, creio que sou o produto dessa grande mistura.
Aos masculinos fui buscar o amor pela literatura ao avô paterno que tinha a Livraria Lusitana “venda de livros novos, velhos e usados”, logo no início da Rua de Cedofeita, bem escondida de olhares escusos. O avô podia discursar sobre o Eça como um professor universitário, ele que apenas tinha a 4ª classe.
Do avô materno, o amor pelas regras. Educado em Oxford, onde frequentou o King’s College, aí andou a “estourar” o dinheiro paterno. Era um dandy e veio de lá com um Curso de Contabilidade. Ainda tenho livros ingleses por onde estudou. Trouxe de lá uns costumes muito british, como o silêncio à hora da refeição (contava a minha mãe) ou terá sido pela educação afidalgada que teve, com um brasão de que não me lembro absolutamente nada a não ser de uns pesados cortinados em veludo e duas velhotas, as irmãs do meu avô sentadas como duas damas antigas a postarem para um retrato? Muito mais tarde soube-se, pasme-se, que uma das “solteironas” era divorciada desde 1910.
Bem, silêncio à mesa nunca se coadunaria com a minha personalidade rebelde. Se hoje não se falar à hora das refeições, vamos falar quando?
Este avô materno teve graves problemas de saúde e uma mulher, toda ternura, acarinhava-o. Já com cancro da bexiga, fazia para um saquinho e ela tinha uma preocupação constante para que não o apertássemos para que não cheirasse a urina. Com cuidados extremos, ela com o seu metro e trinta foi o seu esteio ao longo da vida, a ele com o seu quase metro e noventa. (Abro um parêntesis- Uma vez olhava embasbacada para a fotografia da minha avó ao lado do meu avô, em que não se via a diferença das cabeças. Não entendia até ela me dizer ao ouvido “Ó Tecas, para tirar esta fotografia, eu estou em cima de um banco!”)
Casada em berço de oiro, quem diria que pouco tempo depois, ele estaria aposentado e passaria dificuldades? Nunca lhe ouvi uma queixa. Também ele e o irmão mais velho, nunca se soube porquê, foram deserdados pelo pai que deixou tudo às manas que depois deixaram a terceiros, não interessa quem. Um pai deserdar um filho? Ainda bem que esse costume arcaico desapareceu da lei portuguesa.
Havia também uma coisa muito interessante, pelo menos na família, que era o conselho familiar. A minha mãe não tirou medicina porque o conselho se opôs. Na altura, havia apenas uma estudante de medicina feminina na Universidade do Porto. Ao ser desviada, ela foi uma das primeiras 6 mulheres a tirar Farmácia na Faculdade de Farmácia na Universidade do Porto.
Relembro com saudade os desenhos do meu avô materno. Tinha um jeito inato e com meia dúzia de traços desenhava um cão, um cavalo, um crocodilo, uma árvore na primavera ou no verão… Se eu tivesse herdado o seu jeito/ talento, seria ilustradora das minhas histórias.
Já o outro discutia literatura como um grande crítico literário e com as netas que seguiram letras (eu e a minha irmã mais nova) entabulava conversas interessantíssimas.
Se fosse vivo enquanto fui professora, tê-lo-ia trazido a uma das minhas aulas para falar sobre a “Aia” ou os “Maias” ou outro qualquer escritor da literatura portuguesa.
As avós femininas eram tão diferentes!
A paterna, menina-bem de S. João da Pesqueira, estudou num Colégio Interno em Guimarães, de onde fugiu com 16 anos para ir ter com o meu avô, 14 anos mais velho, quando viu os seus amores a serem contrariados pela família.
Uma mulher de armas, rebelde, que levou a sua avante e que a todos enganou. Ela e ele davam-se como o cão com o gato, assim parecia, mas não lhe sobreviveu muto tempo, como os casais que se unem para a vida e para a morte.
A materna foi nascer no outro lado do oceano, em Belém do Pará, quando o meu bisavó procurou melhorar a sua vida de agricultor. E assim aconteceu.
Dá-se um pontapé numa pedra, na Pesqueira, e todos somos primos, uma sociedade fechada e isolada durante tantos anos por falta de estradas e de transportes.
Em Cesar, Oliveira de Azeméis é o ninho dos Portais e de todas as ramificações, pois foi sempre uma família de mulheres e cedo os Portais desapareceriam se não se formassem os nomes familiares com mais de um apelido- os Portal e Silva é a minha cepa, mas há muitos mais.
E, no funeral de um primo direito da minha mãe, mas 20 anos mais novo, na capela do meu bisavô, o meu padrinho, seu irmão ouviu. “Afinal o Dr. Portal é enterrado na capela do José Silva? Não entendo.” Só entendeu quando ele esclareceu que o avô era o José Silva e a avó é que era a Engrácia Portal.
Daí o Portal e Silva.
E fiquemos por aqui que se continuar a desenrolar o fio da memória, o novelo ficará incomportável. Voltarei ao tema, pois é apaixonante.
Maria Teresa Portal Oliveira
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