10 da manhã de um dia de inverno! Tempo birrento! O S. Pedro não se compadece com as estações e as mudanças climáticas que estão aí em força. E, como não chove, temos a seca e uma salgalhada como clima. Tempo de sol muito frio, noite gelada. E ninguém se entende. Saímos de casa no inverno e, pelo meio-dia, é verão! Uma tal amplitude térmica origina «ataques de ferrugem» para quem já vai sendo atacada por algumas maleitas que chegam através dos genes, por via hereditária, e outras que foram sendo adquiridas durante a vida (tanta asneira se faz na juventude que é paga com juros na idade madura!) ou que ainda nos chegaram pela via profissional. É o caso da mente vazia, a precisar de férias, «novamente», neste caso, a precisar de pausa pois não paro um minuto.
Não se admire! Seja o arranque do ano escolar ou o início do segundo período, principalmente nos momentos de pandemia e da utilização da máscara e das quarentenas e das reuniões online, este tempo só é moleza para os que estão «fora do circuito». Para os outros é um trabalho esgotante e enervante. E, apesar das maleitas, dou graças por já estar aposentada.
Está cinzento lá fora e cá dentro. Ainda olho para o computador, mas esse tem o condão de me aborrecer e bloquear, porque as máquinas me «irritam», principalmente quando resolvem mandar mensagens do tipo «Este programa efetuou uma operação ilegal, pelo que vai ser encerrado» e todo o trabalho (do qual não existe um rascunho!) vai por água abaixo, ou melhor dizendo, ia por água abaixo, já que aprendi a tomar as minhas precauções «manuscritas» desde que tive de refazer um texto três vezes num dia de «trovoada computadorizada». Agora escrevo tudo à mão e depois é que teclo no computador.
Deixei o olhar deambular pela mesa de trabalho e dei com o livro de Rubem Alves «Estórias maravilhosas de quem gosta de ensinar». Os livros AH! Engraçado como nos identificamos de imediato com certas ideias, com certos livros, com certos autores. É o caso de um outro livro de Rubem Alves «Por uma Educação Romântica!», a que atribuo a mesma classificação. Decididamente não sou teórica, nem académica. E concordo em absoluto com a noção de que, nos tempos que correm, ou se tem uma visão romântica da educação que nos dá forças para continuar, para teimar, para remar contra a maré... ou mais vale escolher uma outra profissão em que as verdades de hoje permaneçam imutáveis amanhã. Conhece alguma? Eu NÃO! E com o avançar da técnica e da ciência cada vez há menos certezas. Basta ouvir os noticiários, acompanhar o crescimento dos filhos... O que era aconselhado ontem para as crianças (jovens de 20 anos no agora!) é totalmente desaconselhado hoje...
Claro que há educadores que nunca se podem abster ou procurar outro trabalho. São os pais. Esses têm de encarar a educação com realismo, com os pés bem assentes na terra, sem no entanto perderem a visão romântica que tinham quando acordaram na vinda de rebento(s). Sonhar é fácil. Não custa nada. Há que alimentar o sonho, deixando que os jovens tenham os seus próprios sonhos, mas fazendo-os sentir que a sua concretização é difícil, dá trabalho, exige sacrifícios. Só assim podem sentir o sabor da conquista, da realização, da recompensa do esforço dispendido... Quantos pais não projetam nos filhos o que não conseguiram ser, fazer, ter!! Quantos pais tiram todos os escolhos do caminho dos filhos, «facilitando-lhes» a tarefa de crescerem sem problemas (pensam!), sem dificuldades... pensando que estão a fazer bem!
Comungo da ideia de Rubem Alves: Não se educa com teorias, mas pode educar-se com histórias (estórias, como se escreve no Brasil, e agora também cá, pelos vistos). Essa é a mensagem do livro atrás mencionado «Estórias maravilhosas de quem gosta de ensinar», o recado de alguém que, após ter sofrido um desgosto se questionou sobre o que havia feito até àquele momento. «Eu era professor universitário, uma combinação de filósofo e de cientista, escrevia livros eruditos com notas de rodapé, pesquisa... (...) Naquele momento... tomei uma decisão intelectual... Então eu posso dar-me ao luxo de passar a escrever apenas as coisas que me exija o coração e, naquele momento, eu jurei a mim mesmo que eu não escreveria um artigo académico e que eu iria fazer uma outra coisa: contar estórias. As estórias têm o poder mágico de completar as faltas que nós sentimos. A minha intenção é mágica: eu quero ser um feiticeiro das palavras, quero operar transformações mágicas nas pessoas que me lêem. O corpo humano é capaz de se mover pelo poder da palavra...».
Também eu procurei cativar os meus alunos pelo poder mágico das palavras através das práticas e pensei que um professor devia ser um contador de histórias, que levasse os alunos a revisitar a infância e os ajudasse a fixar as matérias por mais maçadoras que fossem.
Podia estar errada, mas estava muito bem acompanhada no meu erro. É que me recusava a ser «pessimista», uma das características que o educador não pode ter. Se já há tantos a procurarem meter a educação no «fundo do poço», os educadores, nomeadamente os professores, não podem de engrossar o monte.
Era e sou uma «otimista» confessa, que, por vezes, sendo humana, tinha e tem um ou outro período de desânimo, de momento depressivo. (As depressões estavam e estão na moda!). Aliás, vacinava-me, frequentemente, com doses maciças de «paciência», de «boa disposição», de «poder de encaixe» e de outros artigos difíceis de encontrar, mas que qualquer um, possuidor do poder mágico das palavras, sabe onde encontrar. E não era preciso ser-se um Harry Potter nem frequentar as aulas de «spells» em Hogwarts, a Escola de Feitiçaria! Precisava era de valer-se das suas «práticas», dos seus «erros pedagógicos» (se com eles aprendeu algo! Quem não os comete?), das suas «inovações» (quando havia coragem para as introduzir e um pouco de «loucura», reconheço!), juntar uma boa dose de imaginação criadora, umas quantas gargalhadas, risos e sorrisos, alguns raspanetes (e um tabefe «pedagógico na hora H!), misturar tudo, levar a forno com uma temperatura média e eis que surgia o professor «otimista», que não despejava conhecimentos, nem decorava enciclopédias, que procurava que os seus aprendizes de magia aprendessem com gosto, com prazer, inventassem as suas próprias mezinhas, os seus próprios percursos para chegarem ao «saber». Porque… uma história que é ouvida com prazer não se esquece. Quem não gosta de ouvir uma boa anedota? Claro que se ouvem e depois há os que as esquecem e outros que as acrescentam ao seu reportório infinito. Mas isso acontece neste caso, como em muitos outros. As histórias que o professor-contador possa imiscuir nas suas aulas talvez não sejam tão facilmente esquecidas. E recordava e recordo sempre a frase «A cultura é o que fica depois de se ter esquecido tudo o que se aprendeu».
E, nada melhor do que esta frase para introduzir, como mote de reflexão, este excerto do livro supracitado: «O erudito é aquele que ajuntou muitos saberes. O sábio é aquele que, saboreando os sabores ajuntados, se dá conta de que muitos deles não têm gosto, ou que têm um gosto que não lhe agrada. O sábio- degustador- livra-se deles. O erudito soma saberes. O sábio diminui saberes. Ele escolhe o que é essencial. Os saberes essenciais são aqueles que nos ajudam a viver».
Sejamos sábios.
Maria Teresa Portal Oliveira
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