A Mochila do João

Na noite silenciosa, um barulhinho sussurrante e repetitivo não me deixava dormir. Parecia vir do escritório.


Levantei-me, entrei e nada vi. Para além da minha mesa desarrumada, alvo frequente das críticas do meu filho, sete anos acabados de fazer, estava a mochila dele já prontinha para, no dia seguinte, levar para a escola.


Estava tão entusiasmado que foi difícil adormecê-lo. Nem a história o acalmou.

─ Mamã, como foi o teu primeiro dia de escola? Gostaste?

─ Claro, Simão. Queria conhecer os colegas e a professora.

─ Eu já conheço os colegas. Andámos quase todos no mesmo jardim de infância. A professora é que não, mas dizem que é excelente.

─ E se dormisses, Simão? Amanhã vais ter de acordar cedo. É o primeiro dia de aulas.

Puxei-lhe o lençol e o cobertor fino, o setembro estava quente, beijei-o e, quando saí, já dormia a sorrir.


Ia fechar a porta do escritório, perdida nas recordações daquele diálogo de há uma hora, quando vi a mochila a mexer-se. Foi apenas um ligeiro movimento, mas foi quanto bastou.

Abri a mochila e não queria acreditar no que vi.


Os lápis de cor estavam fora da caixa; a borracha, o lápis, a tesoura, os lápis de cera, os marcadores, o aguça, e a régua fora do estojo; o caderno todo riscado e um caderno de notas também. Até uma lupa lá tinha. A sua mania de observar os animais: as formigas, as moscas, os vermes… já indicavam a sua preferência pelas Ciências ou então pelos mistérios. Queria ser um Sherlock Holmes. Como é que aquilo podia ter acontecido?


─ Ainda bem que apareceste ─ ouvi uma voz a bichanar. ─ Tem sido isto desde que o Simão preparou a mochila. Discutem qual é o mais importante.

Olhei para cima do ombro e à volta e não vi ninguém.

─ Não procures mais, mãe. Sou eu, a mochila.


De cara à banda, vi os olhinhos do ursinho do ursinho da mochila a olharem-me marotos.

─ Já lhes disse que são todos importantes, mas nem assim pararam com a discussão.


Senti-me um pouco idiota a falar com material escolar. Se alguém me visse!

Mas expliquei-lhes a importância de todos para a aprendizagem do Simão que queria escrever, ler e fazer contas. Todos tinha a sua tarefa.

Como é que o Simão ia encarar o dia seguinte com o material naquele estado?


Os lápis voltaram para a caixa, milagrosamente todos afiados, o restante material para o estojo e o caderno ficou limpo.

A mochila ficou como o catraio a tinha arrumado.


Deitei-me e, no dia seguinte, pensei que tudo não passara de um sonho. O meu menino ia para a escola e , com a aprendizagem da leitura e da escrita, começava a ser independente.


Surpresa das surpresas! Quando o Simão pôs a mochila às costas, o ursinho piscou-me um olho.

Vocês acreditam?


Maria Teresa Portal Oliveira

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