TEXTO QUEIROZIANO ─ ADJETIVAR E “AVERBIAR” QB:

Responderam ao desafio @Maria Teresa Portal Oliveira, @Elisabete Brito, @Natércia Dias, @Maria Leonilda Pereira e @Teresa Dangerfield.

O OUTONO CHEGOU

Um tapete de folhas multicolores, nau corajosa e cromática, levantou voo em direção ao oceânico céu plúmbeo e tempestuoso.


A folha Vermelha, a mais atrevidota, era a comandante e uma folha Amarela, aparentando ser muito tímida, arrojadamente assumiu as funções de imediato.


Quando o vento começou a soprar, mais forte e destemido, a folha Amarela, intrépida, lançou-se para o ar com mais ímpeto, flutuando majestosamente de forma libertadora. Esvoaçou levianamente, girando e rodopiando num espetáculo de acrobacias aéreas, com um brilho cintilante que a volvia ainda mais encantadora e irresistível através dos raios de sol, que, milagrosamente, tinham conseguir furar por um bocadinho do céu indisposto e vingativo.


(Ei! Tu aí! Não és o narrador? Então o céu está plúmbeo e tempestuoso ou há raios de sol e o céu está claro? Acordei para a incongruência. Tinha de fazer qualquer coisa! Compus o texto.)


Tantos dias ensolarados, apesar das tempestades súbitas e destruidoras, chegara a vez de mostrar que a cor azul agora o chateava mesmo. Quando olhariam para o planeta como ele o via lá do alto?


Entretanto, assarapantadas com a ousadia da Amarelinha, outras folhas observavam-na com assombro e uns vestígios de inveja. Atravessou o céu cinzento e quezilento, desafiando as correntes de ar amarelado das poeiras, sempre com uma determinação inabalável. Enquanto dançava entre as nuvens cinzentas e pesadonas, parecia controlar o seu destino, fortalecer a sua curiosidade insaciável.


Enraivecida com o sucesso da distração, a quase Avermelhada espetadora, encarnou o papel da proibição:

─ Atrevida! Já te faço a folha! Quem te autorizou, ó outonal exibicionista?


Subiu ao aglomerado e cortou as férias às intempéries.

No cenário escurecido caíram raios e coriscos, que não paravam!

A causadora vangloriava-se:

─ À próxima que puser o pé em ramo verde, decreto o sinal vermelho. Ó tenrinha, acomodada e Verdita, ajudas-me a instalar um semáforo?


A Verdita não se atreveu a mexer-se. Olhava apavorada para o céu cujo negrume se tornava progressivamente mais assustador. Colocar um semáforo?

Apontou para o horizonte, cuja linha era praticamente invisível, e balbuciou muito baixinho:

─ Olhem! Olhem! É um tornado.


Que aconteceria ao tapete cromático que tão corajosamente levantara voo, como se o valente Aladino o tivesse chamado?

Foi a vez da Roxita, vestida de quaresma, falar:

─ Vermelhusca de uma figa! Abriste o caminho ao destruidor tornado que adora ver tudo a cair para o lado, na sua ânsia de, em qualquer hora, poder abrir a caixa de Pandora! Eu, com tanto frio, fiquei arroxeada, mas continuo com a paixão pela vida. Vou pedir à artista que mora aqui perto que me acolha e me dê um destacado lugar na sua obra-prima.


Todas gritaram:

─ Leva-nos contigo, ó linda Roxinha! Este aglomerado está tão pesadão... Quem irá resistir? Não há cá acomodação, porque já vimos numa imagem que é assim que se inicia um leito de compostagem.


Uma folha certinha, pequenina, acabada de nascer, soltou a frase:

─ Pois as folhas caídas pelo chão estão sem a minha juventude e vitalidade. Chegou a sua hora de serem poema triste que se regenera na compostagem. Renovação. As sementes lançadas à terra pela mão do semeador sorriem com a fertilização, fruto da queda e quase finitude das amarelinhas, roxinhas e vermelhinhas, transformadas em festim da terra. Agora sou verde, novata, o prazer dos sentidos, a frescura da minha mãe árvore. Empurrei as amarelas com doçura, fixei-me com um abraço e cresço ao sabor da brisa outonal, do sol a enfraquecer, da lua a iluminar- me. Sou uma folha verde muito feliz. Acolho a tangerina que me afaga, a teia que a aranha teceu, um rendilhado que os insetos prende até que um melro destemido vem fazer o ninho, ali, junto a mim e a aranha fatigada muda de lugar sem uma picadela nas penas negras.


— É bom sonhar! — ouviu-se, repentinamente uma voz melíflua, arrastada e serena. — Seria maravilhoso se pudéssemos alterar as estações do ano, e passássemos do outono para a primavera. Pena que nem todos apreciem o inverno, evidentemente. Portanto, folha novata, prepara-te para enfrentar a dura realidade. A menos que tenhas o poder de realizar o milagre da transformação, não escaparás às agruras do rigoroso inverno.


A folha que falara era a mais velha, já muito amarelada e enrugada, mas ainda se agarrava teimosamente ao longo ramo de onde avistara tantos deslumbrantes pores do sol.


­— Eu não escolhi nascer antes do tempo. Não devias falar comigo assim — resmungou a folha nova, num tom irritado e inconformado.


Não demorou muito para que os protestos surgissem de todos os lados, vindos de folhas vermelhas, douradas e de várias outras cores. Mas logo se silenciaram, pois, um vento forte e arrogante varreu a árvore, levando ao solo, ainda que de forma elegante e graciosa, quase todas as folhas que ainda restavam. A mais velha, milagrosamente, permanecia presa ao galho.


E, se querem saber, a pequenina e verde, aguentou-se. Estava bem segura ao magnífico ramo que a alimentava.


Sem perder tempo, pois sabia que já não faltaria muito para se juntar à manta-morta, a folha mais velha continuou o seu discurso:

— Quero que saibas, folha nova, que te desejo solidez, longevidade, força, nobreza e tudo o mais que a tua missão neste ciclo implique. Contudo, deves saber que todos os ciclos são importantes. As árvores de folha caduca, como esta a que pertencemos, precisam de perder as suas folhas no outono como estratégia para se protegerem do frio. Com menos luz solar, reduz-se a produção de clorofila, que sabes ser essencial para nós. Por isto te quis prevenir. Mas desejo-te o bem, pois continuarás o nosso ciclo.


Mal acabou de falar, a folha mais velha foi arrebatada por nova ventania. E, de forma lenta e suave, foi juntar-se a uma manta-morta macia e colorida, mais longe dali.


Quanto à folha nova, corajosa e cheia de esperança, ainda enfrentaria muitos desafios. Mas, com firmeza, não perdia a esperança de os superar.

Maria Teresa Portal Oliveira

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