Escrever à mão é um prazer único. Não só porque me desperta a criatividade, como sinto as letras a deslizarem do bico da esferográfica para a página branca como um batalhão, ao qual tenho de impor ordem e fazer cumprir as regras gramaticais e pontuar corretamente.
Depois, gosto da rasurar, quando algo não está bem ou decido mudar o narrador, se for numa narrativa, os argumentos se for numa crónica ou artigo de opinião.
Uma coisa é certa. Começo e não sei como acabo.
Pegando nas palavras de Maria Alberta Menéres, na visita à EB23 de Caldas das Taipas, em 26 de fevereiro de 2002, «as palavras são os nossos olhares escritos», raras vezes deito fora o que escrevo. Posso dar uma valente cambalhota aos parágrafos, ao enredo, à estrutura textual, seja ele em verso ou em prosa, mas o essencial permanece. A minha maneira de escrever, tal como a minha maneira de olhar são únicos. A escrita à mão é única. Ninguém pode plagiar um texto manuscrito a não ser que conheçam o autor ou que o possam fotografar e digitalizar de seguida.
Cada autor tem o seu estilo
Alguma vez uma descrição queirosiana poderia ser atribuída a outro sem se ao seu criador- Eça de Queirós? Um qualquer texto de Saramago poderia ser atribuído a outro?
Já tudo se faz online, mas a assinatura de um documento ainda e manuscrita, veja-se o cartão de cidadão.
Ao mergulharmos no mundo da escrita, esquecemos o que nos rodeia e os problemas que nos afligem. Não há estado depressivo, má disposição que resista a um voar pela estratosfera de mão dada com a imaginação, a criatividade, o raciocínio lógico e estético.
Escrever sobre as nossas vivências pessoais, obriga-nos a um regresso ao passado, bom ou mão, e permite-nos exorcizar problemas.
Todos sabem que escrever e ler são duas capacidades fundamentais do ser humano que começam ou deveriam ser treinados desde cedo. Porque interligadas, dariam ao jovem a capacidade de interpretar o mundo que o rodeia e de começar a exprimir-se na língua materna.
Antigamente, a escrita era a única capacidade bilateral de comunicação, sem ser o telefone. Hoje, temos uma catrozada de software à nossa disposição que faz com que essa capacidade de comunicação deixe de existir. Os jovens não sabem exprimir ideias, têm uma enorme dificuldade em refletirem sobre o que aconteceu porque desapareceram os diários, as meras reflexões que se faziam com o papel e, até os professores deixaram de fazer os textos de expressão criativa, apelidados de redações, depois de composições, depois de exercícios de expressão escrita, agora não sei que nome lhe dão… porque corrigir um texto dá muito trabalho e leva muito tempo.
Anda se queixam da pobreza vocabular. Quando toda aquela linguagem é truncada e substituída por sinais que desconheço. O computador é meu escravo, eu recuso-me a ser escrava dele.
A relação entre a leitura e a escrita é simbiótica, são as duas fazes de uma mesma moeda. Permitem comunicar a longas distâncias e por tempo indeterminado, deixando que os nossos pensamentos e ideias permaneçam registados por tempo indeterminado, sob variadíssimas formas, até os jornais. Veja-se O Pequeno Jornalista.
Estou cansada de ler citações e pensamentos sobre a leitura. Se não houvesse escrita, como se poderiam fazercitações sobre leitura?
Diz Eugène Ionesco (1912-1994)- «Devemos escrever para nós mesmos, é assim que poderemos chegar aos outros».
Verdade. Eu escrevo para mim. Quando gosto, fico satisfeita. pouco me importa a opinião dos outros. Eu sou a minha maior crítica.
«Não se escreve por se querer dizer alguma coisa, escreve-se porque se tem alguma coisa para dizer.» - Scott Fitzgerald (1896 - 1940). É assim que nascem as crónicas, as histórias, as poesias, os arigos de opinião, porque há algo a transmitir aos outros.
E termino com o grande Fernando Pessoa (1888-1935)- «Eu não escrevo em português. Escrevo eu mesmo.» Sem me querer comparar ao nosso insigne poeta, sem dúvida que sou eu que escrevo sobre o meu eu, sobre mim, porque quero ensinar os outros a aprenderem a ler, porque a escrita desenvolva exercícios de lógica que obrigam a estruturar o pensamento. Talvez por isso, hoje em dia, se fale cada vez menos em géneros literários e se fale em tipologia de textos: narrativo, descritivo, poético, literário, jornalístico, dramático…
Eu sempre foquei o ensino do português nessa vertente, por lecionar português como se fosse uma língua estrangeira.
Os que foram meus alunos que o digam, mas ficavam a saber português e, mais ainda, ficavam a saber cultura portuguesa e não só. Por que motivo me tomavam por professora de Moral, de História, de Geografia, de Ciências, de Português,,, claro, e nunca de línguas?
Quão longe está a Filologia Germânica! Interessante, o ser reconhecida pelos meus primeiros alunos da EB23 que foram meus alunos a inglês na sua maioria.
E, como diria Vitorino Nemésio, cujo programa «Se bem me lembro» não perdia na televisão, era eu bem pequenita, teria uns dez anos, se bem me lembro tudo isto começou em «manuscrever».
A foto que ilustra a crónica, o artigo, o que lhe quiserem chamar é precisamente este texto manuscrito, cheio de rasuras e sinais que, às vezes, até eu tenho dificuldade em interpretar.
Leiam muito e escrevam, registem as vossas ideias.
Maria Teresa Portal Oliveira
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