O Menino do Quispinho Vermelho

Era uma vez um menino que vestia um quispo vermelho, que nunca largava, estivesse calor ou frio. Fora oferecido pelo avô, que considerava aquele menino a menina dos seus olhos, no seu 3º aniversário.


Que bem lhe ficava com a cor dos olhos, um cinzento metalizado que, pequenos camaleões, mudavam de cor com a luminosidade do dia, a estação do ano e a roupa que vestia. Ora azuis, lagos calmos em que me banhava, cor do céu na primavera, ora verdes, muito escuros, cor do mar em dias de tempestade...


O nosso Pedrinho, Pedro era o seu nome, vivia na orla de um pinhal, quase mata, afastado da vila uns quilómetros, poucos por sinal. Frequentemente debruçado na varanda, olhava a verdura e voava por um universo só dele conhecido, transformando-a em floresta mágica, habitada por dragões, fadas e guerreiros do espaço, conforme a imaginação estivesse a ser comandada por um livro lido ou um filme de vídeo visto pela vigésima vez.


É que o Pedrinho, apesar dos seus sete anos acabados de fazer, gostava muito de ler e de escrever, principalmente de escrever. E se escrevia bem o diacho do catraio! Acham o caso estranho? Até talvez seja... Afinal, hoje em dia, quem gosta de ler e de escrever? O Pedrito era assim como que um E.T. vindo do espaço!


Um dia, o avô, que habitava do outro lado do pinhal, adoeceu. O pai do Pedrinho, que não trabalhava às terças de manhã, resolveu mandar o menino levar-lhe um saquito com alguns doces e uma termos com café.


Mas disse-lhe:

-Vai a direito pelo caminho que atravessa o pinhal. Não te desvies e não converses com estranhos, pois nunca se sabe o que pode acontecer.


O Pedro prometeu, mas logo esqueceu, pois a imaginação saltitava já à rédea solta, bem à sua frente e obrigava-o a ser desobediente, mesmo sem querer. Olhos luminosos e bem-disposto, vestiu o quispinho vermelho e meteu pés a caminho.


Claro que, apenas entrado no pinhal, prontamente começou a fantasiar uma aventura: os pinheiros eram gigantes ameaçadores que comiam meninos ao pequeno-almoço e que ele ia derrubando com supersocos e superpontapés fantásticos; os passarinhos eram diabinhos voadores, pequenos dragões cuspidores de fogo e outros animais sem nome; os arbustos eram seres do outro mundo que o queriam agarrar e torturar...


Esquecido do tempo, permaneceu um longo pedaço a brincar ao faz de conta, até se aperceber de que não estava sozinho. Junto a ele, uma loba cinzenta, sorriso traiçoeiro na bocarra de dentes amarelos, olhava-o fixamente, enquanto salivava abundantemente.


Estranhamente, o Pedrito não sentiu medo, apenas curiosidade. E também ele fixou os olhitos vivos, verdes como a verdura que o rodeava, naquele animal dos contos de fada. Quais seriam as intenções da loba? Comê-lo? Aquela, entretanto, inquieta, farejava-o e uivou baixa e prolongadamente: AUUUUUU!

-Se me estás a perguntar onde vou, bem podes tirar o cavalinho da chuva que aqui não há avozinhas para tu comeres, nem eu me chamo Capuchinho Vermelho...- desafiou-a o Pedrinho.


A loba recomeçou a farejá-lo, bem no pescoço, enquanto os seus olhos piscavam e relampejavam. Mas ele, imperturbável, continuou:

-Olha lá, também não te vou fazer aquelas perguntas idiotas, pois já há muito que sei as respostas. Os olhos servem para verem, os narizes para cheirarem ou farejarem, as bocas para comerem. E...

-E se tu te calasses?- resmungou a loba baixinho, um pouco desconcertada por ver aquela reação.

-Ah! Também falas como o outro, mas daqui não levas nada, já te disse.

-Eu sou uma loba má e vou comer-te.

-Ah! Ah! Ah! Tu nem és loba, nem és má. És a minha mãe, a minha fofinha, e não fazes mal a ninguém.


Parei com a história do Menino do Quispinho Vermelho, porque a gargalhada do mafarrico chamado Pedro, que me estava a dar as respostas, lhe resolveu pôr um ponto final.


Contudo, ainda tentei:

-Ó Pedro, e o avô que mora do outro lado do pinhal e está doente?

-Ficou bom num instante, porque apareceu uma fada que lhe deu um chá que curava tudo.

-Nesta história não há fadas- retorqui.

-Ora, na outra é que não há. Nesta há o que eu quiser.


E, brincando com os dedos, começou um grande combate entre forças invisíveis do mal e do bem.

Sete anos bem vivos e irrequietos.


Quanto à loba, inofensiva e derrotada, voltou para as suas tarefas tão comezinhas de arrumar a casa.


Maria Teresa Portal Oliveira

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