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sábado, 23 de março de 2024
sábado, 23 de março de 2024
Era uma vez um menino chamado Pedro que engoliu ou perdeu as palavras, porque daquela boca não saía nada, nem “tus nem mus”. Pelos vistos o causador poderia ter sido um dente que “saiu” e não saiu, quero dizer “engoliu”... mas, ao certo, ao certo...não sei muito bem como é que isso aconteceu.
Até talvez tenha sido uma bruxa má que lhas tirou. Porquê? Sei lá porquê, porque era uma bruxa má e pronto.
(Aqui abro um parêntesis para vos dizer que a lógica infantil manda e ponto final. Esta história resultou de um jogo que fiz com o meu filho, precisamente o Pedro, seis anos acabados de fazer, que não aceitou nenhuma das minhas sugestões para o porquê dele ter ficado sem as palavras, pois foi terminante no seu “foi uma bruxa má que mas tirou e pronto”. Claro que eu teria logo procurado um motivo para que tal castigo acontecesse, mas tive de me curvar perante a vontade do meu coautor e aceitar o seu veredito sem tugir nem mugir. Fecho o parêntesis).
Ora o facto de ter ficado sem palavras atrapalhava grandemente a vida do Pedrito que se via obrigado a falar por gestos, pois, por incúria dos autores da história, a mãe do menino não sabia que ele ficara sem palavras e por isso não o pôde levar ao otorrinolaringologista.
(Que palavrão! Aliás, neste ponto concordamos os dois. Não havia médicos na história, pois no mundo da magia tudo se cura com mezinhas e rezas, com pós e raízes e outras nojices. Quem já ouviu falar de pílulas, comprimidos ou cápsulas, injeções ou vacinas? Isso são modernices!)
De volta à história.
Um dia, o pequenito ao caminhar por uma vereda no bosque, (é verdade, o Pedro morava perto de um bosque como nos contos a sério!) encontrou uma árvore maravilhosa carregada de frutos... uns frutos especiais que tinham a forma de NÃO.
Espantado com o formato dos frutos e curioso por experimentar o seu sabor, colheu alguns que comeu. Eram um pouco duros, ásperos, até amargos, mas como estava com fome, souberam-lhe bem.
De regresso a casa, já a noite caía, deu com a mãe à entrada de casa, com cara de poucos amigos. Seria assim tão tarde? E o ralhete não se fez esperar. “Isto são horas de se chegar a casa?” “Não!” Ao ouvir a sua voz ficou admirado. Então já podia falar? Mas a mãe continuou, sem o deixar respirar. “Já fizeste os deveres?” “Não!” respondeu ele, já aflito, porque os havia feito mal chegara a casa. “Vai já para o teu quarto!” ordenou ela, irritada. “Não”. “O quê?” “Não, não, não!” Tapou a boca com as duas mãos para que aqueles “nãos” parassem de sair e fugiu bem a tempo, pois a mão da mãe preparava-se para lhe dar um valente safanão.
Naquela noite, não se atreveu a sair mais do quarto, nem para ver os “Patinhos”, não fossem os “nãos” quererem sair da sua boca que só recuperara essa palavra tão feia e tão egoísta.
Deitou-se muito triste, pois a mãe ficara ainda mais zangada com ele, quando lhe viera dar um beijo de Boas-Noites e ele dissera: ”Não!”. Não conseguira explicar-se, porque os gestos eram acompanhados de “nãos” a torto e a direito e as coisas ficaram cada vez mais embrulhadas.
Dormiu mal o Pedro e de manhã, com os olhitos inchados da noite mal passada, resolveu voltar ao bosque. Ainda bem que estava de férias! Ia triste o pimpolho, dando pontapés às pedrinhas do caminho, enquanto da boquita iam saindo os “nãos” que não conseguia controlar.
E os seus passos levaram-no exatamente ao mesmo sítio do dia anterior- a árvore frondosa estava carregadinha de novos frutos... também estes esquisitos... com a forma de SIM.
Não foi sem um pouco de receio que decidiu prová-los. Depois pensou: “Que mal pode acontecer? Pior não posso ficar, isso é certo.” E, por isso, comeu... e voltou a comer, porque estes eram docinhos e suculentos. Tão saborosos!
Regressou a casa e pôs-se a brincar com o Titó, o único cachorro que escapara da ninhada da cadela Nádia, pois a mãe oferecera os restantes. Alimentar “serras da estrela” não ficava barato!
Entretanto, ela pressentira-o e veio à porta. “Para a mesa, Pedro. Já lavaste as mãos?” “Sim” respondeu ele, escondendo imediatamente as mãos negras. “Então, já para a mesa”. “Sim” acrescentou.
A mãe olhou-o desconfiada e ainda perguntou “Estás a brincar comigo?”, mas ele conseguiu fugir para dentro de casa, antes que viesse a ter problemas com mais um “sim”, completamente despropositado. Comeu e fechou-se no quarto.
Que medo tinha de dizer asneiras! Já lhe bastara o dia anterior. Mas... não escapou, porque, como não saiu para brincar à tarde e às perguntas da mãe respondera sempre “sim”, tivera a visita do médico, pois dissera ter dores de cabeça, de garganta e de barriga.
E com o Dr. Sousa ainda fora pior, porque confirmara tudo. Resultado: remédio para as bichas, xarope para a febre e outro para as dores de garganta. E, se não melhorasse, antibiótico.
(Nesta altura,, os autores esqueceram-se da promessa feita anteriormente de não existirem médicos na história... porque no mundo moderno, quem está doente vai ao médico...)
Como fazer-se entender? O Pedro acabou por desistir e lá se deixou ficar na cama, agora por recomendação médica a empanturrar-se de medicamentos de que não necessitava.
O dia seguinte veio encontrá-lo com uma disposição dos diabos, até porque um dos medicamentos lhe provocara diarreia. Agora é que estava mesmo doente e se não saísse dali endoidecia. Como o quarto era no rés-do-chão, resolveu fugir pela janela entreaberta, não sem antes deixar o travesseiro no seu lugar... Não queria mais problemas e, por algumas horas, estava seguro.
E lá voltou o Pedro sobre as suas pegadas da véspera e da antevéspera até junto da tal árvore que nessa manhã estava carregada de TALVEZ e, como nos dias anteriores, também comeu até se fartar.
O Pedrito era realmente muito teimoso, porque por esta altura já devia ter percebido que aquela árvore só lhe trazia problemas. Mas ele era muito curioso e gostava de saber e perceber tudo, por isso comia sempre da árvore. (Sugestão do coautor, que não aceitou de maneira nenhuma ser considerado teimoso...)
Mas nem vos conto o que aconteceu ao Pedro, quando a mãe deu pela sua falta no quarto, o encontrou no jardim e ele começou a responder “talvez” às perguntas que a mãe, o pai e toda a gente lhe fazia. Todos estavam danados e só não levou uns açoites, porque todos pensavam que ele estava doente.
Onde acabou o Pedro? Fechado no quarto para não correr o risco de responder torto de novo. Estava tão triste que nem de lá saiu durante três dias.
Preocupada, já a mãe se preparava para chamar novamente o médico, quando ele resolveu vir brincar para o jardim. Olhou melancolicamente para o caminho que levava ao bosque, não se atrevendo a lá ir com medo de ainda lhe acontecer alguma outra coisa incrível que o metesse em mais embrulhadas.
E duas lágrimas tristonhas e salgadas rolaram pelas faces descoradas do Pedrito e caíram no malmequer que tinha entre mãos. “Ui, ui!” disse a flor que ele não ouviu.
E imediatamente esta se transformou numa bela fada loira com um bonito vestido branco, todo aos gomos, que, pegando na sua varinha de condão lhe disse: “Sou a Fada das Palavras e ouvi que me chamavas quando dizias os sins e os nãos. Ofereço-te as palavras, toma posse do que é teu. Deixa de sofrer e torna-te um menino igual aos outros meninos.
Utiliza as palavras, dá-lhes bom uso e nunca mais a bruxa má te tirará as palavras, pois com elas serás capaz de criar as mais belas histórias.”
(E pelos vistos o que foi fadado está a acontecer, pois também ele ajudou a construir esta história. Como? Impossível? Claro que não, pois a Fada das Palavras oferece-as às crianças à medida que elas crescem. O mesmo já aconteceu convosco... porque quando nascemos não as trazemos connosco. Elas vão surgindo lentamente e... não é nada fácil aprender a falar, pois não?)
E o menino ficou muito feliz e pôde brincar com o Zorro e o Dragon Ball à vontade e com todos os seus amigos, pois já tinha as palavras todas, quero dizer, já tinha muitas daquelas que andam por todo o lado, as palavras orais.
Quanto às escritas, isso já é uma coisa bem diferente, pois ainda só conhece algumas letras. Mas, em breve, sabê-las-á todas, conhecerá muitas palavras e poderá escrever as suas histórias.
E eu, a coautora, posso dizer-vos que isso aconteceu.
O Patinho Negro
Maria Teresa Portal Oliveira
A ALQUIMIA DAS PALAVRAS
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