Pedro perdeu as palavras
Era uma vez um menino chamado Pedro que engoliu ou perdeu as palavras, porque daquela boca não saía nada, nem “tus nem mus”. Pelos vistos o causador poderia ter sido um dente que “saiu” e não saiu, quero dizer “engoliu”... mas, ao certo, ao certo...não sei muito bem como é que isso aconteceu.
Até talvez tenha sido uma bruxa má que lhas tirou. Porquê? Sei lá porquê, porque era uma bruxa má e pronto.
(Aqui abro um parêntesis para vos dizer que a lógica infantil manda e ponto final. Esta história resultou de um jogo que fiz com o meu filho, precisamente o Pedro, seis anos acabados de fazer, que não aceitou nenhuma das minhas sugestões para o porquê dele ter ficado sem as palavras, pois foi terminante no seu “foi uma bruxa má que mas tirou e pronto”. Claro que eu teria logo procurado um motivo para que tal castigo acontecesse, mas tive de me curvar perante a vontade do meu coautor e aceitar o seu veredito sem tugir nem mugir. Fecho o parêntesis).
Ora o facto de ter ficado sem palavras atrapalhava grandemente a vida do Pedrito que se via obrigado a falar por gestos, pois, por incúria dos autores da história, a mãe do menino não sabia que ele ficara sem palavras e por isso não o pôde levar ao otorrinolaringologista.
(Que palavrão! Aliás, neste ponto concordamos os dois. Não havia médicos na história, pois no mundo da magia tudo se cura com mezinhas e rezas, com pós e raízes e outras nojices. Quem já ouviu falar de pílulas, comprimidos ou cápsulas, injeções ou vacinas? Isso são modernices!)
De volta à história.
Um dia, o pequenito ao caminhar por uma vereda no bosque, (é verdade, o Pedro morava perto de um bosque como nos contos a sério!) encontrou uma árvore maravilhosa carregada de frutos... uns frutos especiais que tinham a forma de NÃO.
Espantado com o formato dos frutos e curioso por experimentar o seu sabor, colheu alguns que comeu. Eram um pouco duros, ásperos, até amargos, mas como estava com fome, souberam-lhe bem.
De regresso a casa, já a noite caía, deu com a mãe à entrada de casa, com cara de poucos amigos. Seria assim tão tarde? E o ralhete não se fez esperar. “Isto são horas de se chegar a casa?” “Não!” Ao ouvir a sua voz ficou admirado. Então já podia falar? Mas a mãe continuou, sem o deixar respirar. “Já fizeste os deveres?” “Não!” respondeu ele, já aflito, porque os havia feito mal chegara a casa. “Vai já para o teu quarto!” ordenou ela, irritada. “Não”. “O quê?” “Não, não, não!” Tapou a boca com as duas mãos para que aqueles “nãos” parassem de sair e fugiu bem a tempo, pois a mão da mãe preparava-se para lhe dar um valente safanão.
Naquela noite, não se atreveu a sair mais do quarto, nem para ver os “Patinhos”, não fossem os “nãos” quererem sair da sua boca que só recuperara essa palavra tão feia e tão egoísta.
Deitou-se muito triste, pois a mãe ficara ainda mais zangada com ele, quando lhe viera dar um beijo de Boas-Noites e ele dissera: ”Não!”. Não conseguira explicar-se, porque os gestos eram acompanhados de “nãos” a torto e a direito e as coisas ficaram cada vez mais embrulhadas.
Dormiu mal o Pedro e de manhã, com os olhitos inchados da noite mal passada, resolveu voltar ao bosque. Ainda bem que estava de férias! Ia triste o pimpolho, dando pontapés às pedrinhas do caminho, enquanto da boquita iam saindo os “nãos” que não conseguia controlar.
E os seus passos levaram-no exatamente ao mesmo sítio do dia anterior- a árvore frondosa estava carregadinha de novos frutos... também estes esquisitos... com a forma de SIM.
Não foi sem um pouco de receio que decidiu prová-los. Depois pensou: “Que mal pode acontecer? Pior não posso ficar, isso é certo.” E, por isso, comeu... e voltou a comer, porque estes eram docinhos e suculentos. Tão saborosos!
Regressou a casa e pôs-se a brincar com o Titó, o único cachorro que escapara da ninhada da cadela Nádia, pois a mãe oferecera os restantes. Alimentar “serras da estrela” não ficava barato!
Entretanto, ela pressentira-o e veio à porta. “Para a mesa, Pedro. Já lavaste as mãos?” “Sim” respondeu ele, escondendo imediatamente as mãos negras. “Então, já para a mesa”. “Sim” acrescentou.
A mãe olhou-o desconfiada e ainda perguntou “Estás a brincar comigo?”, mas ele conseguiu fugir para dentro de casa, antes que viesse a ter problemas com mais um “sim”, completamente despropositado. Comeu e fechou-se no quarto.
Que medo tinha de dizer asneiras! Já lhe bastara o dia anterior. Mas... não escapou, porque, como não saiu para brincar à tarde e às perguntas da mãe respondera sempre “sim”, tivera a visita do médico, pois dissera ter dores de cabeça, de garganta e de barriga.
E com o Dr. Sousa ainda fora pior, porque confirmara tudo. Resultado: remédio para as bichas, xarope para a febre e outro para as dores de garganta. E, se não melhorasse, antibiótico.
(Nesta altura,, os autores esqueceram-se da promessa feita anteriormente de não existirem médicos na história... porque no mundo moderno, quem está doente vai ao médico...)
Como fazer-se entender? O Pedro acabou por desistir e lá se deixou ficar na cama, agora por recomendação médica a empanturrar-se de medicamentos de que não necessitava.
O dia seguinte veio encontrá-lo com uma disposição dos diabos, até porque um dos medicamentos lhe provocara diarreia. Agora é que estava mesmo doente e se não saísse dali endoidecia. Como o quarto era no rés-do-chão, resolveu fugir pela janela entreaberta, não sem antes deixar o travesseiro no seu lugar... Não queria mais problemas e, por algumas horas, estava seguro.
E lá voltou o Pedro sobre as suas pegadas da véspera e da antevéspera até junto da tal árvore que nessa manhã estava carregada de TALVEZ e, como nos dias anteriores, também comeu até se fartar.
O Pedrito era realmente muito teimoso, porque por esta altura já devia ter percebido que aquela árvore só lhe trazia problemas. Mas ele era muito curioso e gostava de saber e perceber tudo, por isso comia sempre da árvore. (Sugestão do coautor, que não aceitou de maneira nenhuma ser considerado teimoso...)
Mas nem vos conto o que aconteceu ao Pedro, quando a mãe deu pela sua falta no quarto, o encontrou no jardim e ele começou a responder “talvez” às perguntas que a mãe, o pai e toda a gente lhe fazia. Todos estavam danados e só não levou uns açoites, porque todos pensavam que ele estava doente.
Onde acabou o Pedro? Fechado no quarto para não correr o risco de responder torto de novo. Estava tão triste que nem de lá saiu durante três dias.
Preocupada, já a mãe se preparava para chamar novamente o médico, quando ele resolveu vir brincar para o jardim. Olhou melancolicamente para o caminho que levava ao bosque, não se atrevendo a lá ir com medo de ainda lhe acontecer alguma outra coisa incrível que o metesse em mais embrulhadas.
E duas lágrimas tristonhas e salgadas rolaram pelas faces descoradas do Pedrito e caíram no malmequer que tinha entre mãos. “Ui, ui!” disse a flor que ele não ouviu.
E imediatamente esta se transformou numa bela fada loira com um bonito vestido branco, todo aos gomos, que, pegando na sua varinha de condão lhe disse: “Sou a Fada das Palavras e ouvi que me chamavas quando dizias os sins e os nãos. Ofereço-te as palavras, toma posse do que é teu. Deixa de sofrer e torna-te um menino igual aos outros meninos.
Utiliza as palavras, dá-lhes bom uso e nunca mais a bruxa má te tirará as palavras, pois com elas serás capaz de criar as mais belas histórias.”
(E pelos vistos o que foi fadado está a acontecer, pois também ele ajudou a construir esta história. Como? Impossível? Claro que não, pois a Fada das Palavras oferece-as às crianças à medida que elas crescem. O mesmo já aconteceu convosco... porque quando nascemos não as trazemos connosco. Elas vão surgindo lentamente e... não é nada fácil aprender a falar, pois não?)
E o menino ficou muito feliz e pôde brincar com o Zorro e o Dragon Ball à vontade e com todos os seus amigos, pois já tinha as palavras todas, quero dizer, já tinha muitas daquelas que andam por todo o lado, as palavras orais.
Quanto às escritas, isso já é uma coisa bem diferente, pois ainda só conhece algumas letras. Mas, em breve, sabê-las-á todas, conhecerá muitas palavras e poderá escrever as suas histórias.
E eu, a coautora, posso dizer-vos que isso aconteceu.
Maria Teresa Portal Oliveira
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