Uma prenda inesperada!
A Páscoa já andava no ar, muito antes dos botões florirem nos canteiros e da árvore do jardim, de que ninguém sabia o nome, se cobrir de bolas cor de rosa a fugir para o roxo.
A excitação das crianças vivia-se no sopro da brisa, às vezes bem fresca, e até nas chuvadas repentinas e tempestades inesperadas. Bastava não haver aula para haver festa.
Ajudar a Julieta era a maior loucura. Os ovos de Páscoa eram escondidos no jardim e, no Domingo de Páscoa, havia a caça ao tesouro. Em tempos idos, coziam-se os ovos e depois pintavam-se. Agora, fazia-se um buraquinho de um lado e do outro do ovo e com muito jeito tirava-se a clara e gema que davam para o pudim e para o pão de ló e mais doçaria, toda feita em casa pelas mão mágicas da avó Marieta.
Mas a diversão era a mesma. Pintar os ovos. Pôr a criatividade a funcionar e surgiam pequenas obras de arte, que alguns conservavam como tesouros para mais tarde recordar.
A maior brincadeira mesmo era o que faziam os adultos: esconder esses ovos e outros de chocolate e nunca mais acabavam. Depois começaram a surgir também os coelhos de chocolate.
No sábado de Páscoa, já de noite, os adultos escondiam os ovos e coelhos, só depois da hora de dormir já ter passado e de o pai ou a mãe ter sido sorteado para contar a história. Todos queriam que fosse o tio Zé, que tinha um jeitinho especial para contar histórias, que enriquecia com gestos e sotaques diversificados.
O que ninguém sabia era que a avó Marieta fazia trapaça e punha o nome do filho seis vezes, ou seja, era sempre o tio Zé a contar a história. Se os outros suspeitavam ou não, nunca deram a entender, porque também eles adoravam ouvir o irmão a contar histórias que inventava, não fosse ele escritor de literatura infantojuvenil nas horas vagas, já que era neurocirurgião num hospital da capital.
Vocês ainda não sabem, mas a Dª Marieta tem seis filhos: três raparigas e três rapazes, todos juntinhos. O mais velho tem quarenta e o mais novo trinta. E cada um dos filhos e filhas já tem mais três a juntar ao bando, ou seja, já tem dezoito netos e vêm mais três a caminho.
Como albergar tanta gente? A quinta, num vale escondido na encosta transmontana, fora restaurada para turismo de habitação; por isso, quartos não faltavam e, no Natal e na Páscoa, estava fechada. Não se aceitavam hóspedes para virem os filhos e os netos.
Voltando à história.
Já os adultos tinham regressado a casa para descansar, dois deles iam no compasso que saía às oito horas da igreja matriz, quando a Fada dos Desejos passou bem por cima do jardim e apanhou um desejo suspirado:
─ Gostava tanto de ser um coelhinho a sério?
Como ia muito apressada, sem refletir, concedeu o desejo formulado.
No dia seguinte, a gritaria da criançada ecoava na quinta e arredores. Eram tantos os ovos e os coelhos de chocolate a descobrir, fora os que tinham sido pintados, que era um nunca acabar.
As pistas estavam numa cesta, onde cada adulto escrevera uma espécie de adivinha para darem com o ovo ou o coelho.
«Na fonte sou o Cupido/ esguicho água pura e fresca/ procura atrás do ouvido/ e darás logo com a cesta»
Esta pista, atrás do Cupido, levava a uma cesta cheia de ovos coloridos e um coelho vivo. Foi uma algazarra.
─ Ó avó, agora os coelhos também são vivos? Não são só de chocolate?
Todos estavam confusos, mas nós sabemos o que aconteceu
E o coelhinho teve de ser lavado, pois estava todo pintado, e fez a alegria da festa.
Acabou por se tornar mais um animal de estimação da catraiada e, rapidamente, fez amizade com o gato Miau e a cadela Roseta.
Era tão fofinho!
E aquela Páscoa nunca mais foi esquecida por nenhum dos que a ela assistiram e, quando o tio Luís deu a cruz a beijar, todos agradeceram por terem a família que tinham e a possibilidade de a viverem todos juntos e em comunidade.
Ali, vivia-se ainda o verdadeiro espírito familiar.
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Que se mantenha por muitos anos, esta Páscoa Minhota, em que os compassos ainda saem à rua e andam de porta em porta a dar a cruz a beijar.
E que Ele nos abençoe sempre que entra na nossa casa.
Boa Páscoa.
Maria Teresa Portal Oliveira
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