Gelada pelo frio, a manhã avançou muito lentamente, pé ante pé, não fosse escorregar na geada, cujo manto paisagístico elaborara, primorosa e sub-repticiamente, durante a noite.

Pasmadas, as pessoas abriam as portas e viam a brancura instalada. Mais uma vez o tempo fizera das suas. “Abril águas mil”, dizia o ditado popular. Quando se vira um abril cheio de geada e frio de rachar?

No nevoeiro branco instalado, um vulto avançava sem receio de se fazer anunciar. Ouviam-se os passos na geada quebradiça e ouvia-se um monólogo bem interessante que não era para todos os ouvidos: «Se eu mandasse, como deveria mandar, já te tinha posto em ordem. Infelizmente, tenho de Lhe prestar contas e, estou certo de que me impediria de tomar medidas drásticas. Ouviria, mais uma vez, o “tem paciência”, “o planeta está a queixar-se”, “o homem vai tomar consciência do que está a fazer”… Pfff! Bem O podem enganar, a mim não”.

Parecia que os passos não acabavam e a personagem nunca mais me alcançava, pois só eu a escutava nitidamente.

Por fim, avistei-o, avistámo-nos será mais correta. Era um velho com longas barbas brancas e uma túnica branca que o cobria dos pés à cabeça com um capuz.

Não cheguei a iniciar nenhum diálogo, pois depressa concluí de que nos comunicávamos telepaticamente. “Quem és?” “Sou o Tempo”.

Fiquei sem fala, incapaz de raciocinar. Isso era no Reino da Fantasia, não no real onde estávamos. Um riso jocoso respondeu-me. “Só pode observar bem a realidade quem é capaz de partir para outras esferas e tem um espírito aberto. Tu és uma dessas pessoas. Com os pés bem assentes na terra, estás sempre disposta a aceitar o inexplicável. Por isso, a profissão que adotaste: escritora. Levas os outros contigo numa viagem sem par, por realidades apenas vividas num outro mundo, em que as tuas personagens, os cenários se baseiam nas tuas vivências ou nas dos que te rodeiam. Tudo para ti é motivo de criação e és uma força catártica da natureza”.

Desapareceu e pensei: O encontro teria ocorrido no real ou no imaginário?

Gelada, espirrei realmente…